sexta-feira, 24 de agosto de 2007

As Forças Armadas e a aviação comercial.


O poder da farda no Brasil ainda é muito forte.
Os assuntos relacionados às Forças Armadas
são tratados com a maior delicadeza e sutileza.
Evita-se confronto, críticas e até mesmo colocar o dedo em feridas.
O que poderia ser herança do período do regime militar
é também a compreensão do quadro de renovação que o próprio
tempo se encarregou de fazer e que levou para casa aqueles
que tinham uma linha mais dura e agiam de forma arbitrária.
O governo Fernando Henrique, ele mesmo um neto de general,
demonstrou um respeito aparente e cerimonioso no convívio com a caserna.
Porém, o troco pelos anos de chumbo foi dado da forma mais perversa.
No sucateamento das Forças Armadas e no arrocho salarial
que deixou a nossa armada em situação de penúria.
Quem passava para a reserva recebia um soldo de fome,
sem a menor condição de manter uma vida digna condizente com o oficialato.
Os quartéis tiveram de adotar o regime
de meio expediente para economizar no rancho.
Foram oito anos de uma tortura chinesa sem precedentes.
Uma maldade destilada com um conhecimento profundo
de sociologia capaz de minar e destruir o fôlego de uma instituição.
É nesta linha de pensamento que chegamos ao âmago do problema
que a aviação civil atravessa. O Brasil é um dos raros países do mundo
que tem sua aviação civil regida sob a manta militar.
Aqui, o setor ainda está atrelado ao Ministério da Defesa e não ao dos Transportes.
O sucateamento promovido nas Forças Armadas durante quase uma década
teve agora seu reflexo mais evidente.
Tudo começa num obscuro relacionamento autoritário
que custou caro para a aviação comercial no início do regime militar.
A Panair do Brasil foi sua principal vítima, seguida pela Real
e mais tarde pela Cruzeiro, tudo em favor da Varig,
que se estabeleceu como uma gigante dos ares, a partir de suas raízes gaúchas,
passando por governos militares movidos a chimarrão, como foi o de Costa e Silva,
Médici e Geisel. Durante quase duas décadas,
as decisões por decreto lei tinham o poder de vida e de morte.
A Vasp, como estatal, estava proibida de crescer.
Limitava-se o seu tamanho e fechava-se o exterior e as receitas em dólar.
A Transbrasil nasceu neste mesmo arrocho e teve sobre a sua asa
uma intervenção que até hoje não foi explicada.
As regionais nasceram nas asas dos bandeirantes, com um controle territorial
e parceria com as grandes empresas. Foi o berço da TAM, tendo como sócia a Vasp,
a Rio-Sul com a Varig e a Nordeste com a Transbrasil.
O Departamento de Aviação Civil (DAC) era uma caixa-preta e
as decisões dependiam do bom humor de um brigadeiro
ou de ordens do Estado Maior. O processo democrático finalmente
chegou e a aviação civil continuou militarizada.
E foi aí que ela ficou presa na teia sucateadora dos dois governos
de Fernando Henrique Cardoso.
Já acenando que passaria o poder para os civis,
com a criação da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac),
os militares, já em regime de inanição, deixaram de investir no setor.
Os níveis foram tão críticos que o Brasil esteve ameaçado de descer
do Grupo I para o Grupo II no final do governo FH,
por não ter quadros de inspeção, o que levou o governo a realizar,
em regime de urgência, contratações temporárias - que agora estão
vencendo - que ainda hoje fazem parte da base funcional da Anac.
Nos últimos 12 anos, o quadro estatístico de investimento de pessoal,
equipamentos em setores vitais para a aviação comercial,
como o controle de vôo, foi tão pífio que o sistema começou
a entrar em colapso com a falta de equipamentos e
com recursos humanos pilhados por um salário de fome.
O raciocínio correto não é que os militares sucatearam a nossa aviação comercial.
Mas que a nossa aviação teve os controles e fiscalização sucateados
por estarem sob um regime que sofreu a tortura chinesa
dos dois governos de FH. A situação foi tão grave que o processo
de criação da Anac, todo gerido pelo governo tucano,
foi postergado para a administração seguinte.
Faltou coragem para colocá-lo em campo.
Durante o regime militar a aviação esteve amarrada ao peso do lobby
dos oficiais generais. Era raro um vôo para Europa que não houvesse
na primeira classe algum oficial ou até familiares, com tratamento de supervips.
Uma fórmula que tentou se perpetuar quando a Varig montou
a super-academia de ginástica do primeiro presidente eleito pelo voto popular.
Depois, no governo FH, a velocidade inercial dos investimentos
ainda realizados nos anos de chumbo começou a perder força e
o sucateamento começou a ficar evidente.
O lobby com os militares que regiam nossa aviação perdeu
os tons nacionalistas e ganhou feições perigosamente mercantilistas.
O jogo de transição ainda continua, só que é preciso corrigir o erro histórico
de colocar a aviação comercial sob a regência militar e começar a repassá-la à sociedade civil. Hoje, a Aeronáutica está dividida.
Alguns setores querem o abacaxi de volta,
enquanto outros sabem que não há mais como ter esta gerência,
e as sinalizações do brigadeiro Juniti Saito o enquadram nesta segunda ala.
É preciso coragem para focar na origem dos problemas.
Preservar o papel da Aeronáutica neste jogo é ofuscar a presença
de um protagonista que só passou a coadjuvante há pouco mais de um ano.
O apagão aéreo começou com uma crise de caserna e com um ministro civil
que subverteu a hierarquia militar dando guarida a sargentos e cabos.
E só será resolvido com um posicionamento cirúrgico,
que afaste definitivamente a regência dos quartéis e que se profissionalize,
com salários decentes para um setor vital para um país
de dimensões continentais como o nosso.
O primeiro passo foi a criação da Anac
e o segundo é tirar da Defesa, e passar para o Transporte,
a gerência do executivo da aviação comercial.
Para isso é preciso coragem e determinação política.
Fonte: Jornal do Brasil - Claudio Magnavita 23/08/2007.
Retirado do site da ACTARJ.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Confusão na corte

Confusão na corte
Postado por Luciano Martins 8/8/2007 às 9:01:38 AM
no Observatório da Impensa.

Uma juiza de Guarulhos autorizou ontem o Ministério Público Federal a apreender registros sobre o acidente em Congonhas. Logo depois, porém, a liminar foi cassada pelo tribunal federal regional de São Paulo.
A imprensa até que foi ágil ao acompanhar as trapalhadas, mas nem sempre essa tem sido sua atitude.


Investigação não convence

Luiz Egypto:

- Se na sua lida diária a imprensa se ocupasse
em cobrir mais as causas dos que os efeitos,
o distinto público seria mais bem servido
pelos produtos jornalísticos que consome.
Acidentes como o do Airbus da TAM,
catástrofes ambientais ou ferozes contendas políticas são,
no fundo, apenas isso:
fatos que se transformam em notícias,
nada mais que notícias.
Assuntos, aliás, que sempre terão lugar na pauta,
mas que não passam de fatos
– aos quais a imprensa reage esbaforida
em busca de ângulos novos
e enfoques diferenciados da concorrência.
O problema, porém, reside no antes, não no depois.
Os fatos não existem isoladamente,
e contar as histórias que os contêm exige apuração,
discernimento e tirocínio.
Acidentes aéreos, desastres ambientais
e disputas políticas não nascem do nada.
Em geral são processos que amadurecem
bem à vista de quem tem olhos para ver.
Se mais além da cobertura meramente
factual as redações se preocupassem
com investigação metódica e articulação de nexos
– vale dizer, com a produção de informação contextualizada –,
a mídia impressa brasileira produziria
uma prova cabal de que está preparada para o futuro.
Há esforços visíveis aqui e acolá,
mas o conjunto da obra ainda não convenceu.

Luciano:

Ordens e contra-ordens

Um bom exemplo de como certas informações,
em vez de ajudar a esclarecer,
acabam criando mais confusão,
aconteceu ontem no âmbito da Justiça.
Os jornais acompanharam tão bem os acontecimentos,
que não dá para ignorar que foram
devidamente alertados pelos protagonistas.
Depois que as autoridades da Aeronáutica anunciaram
que não entregariam documentos sobre
a tragédia à Polícia Federal,
a juíza federal Maria Isabel do Prado, de Guarulhos,
atendeu a um pedido do procurador Matheus Baraldi Magnani
e autorizou a operação de busca e apreensão.
Mas, poucas horas depois,
a liminar foi cassada pelo
Tribunal Regional Federal da 3a. Região,
sediado em São Paulo,
e os documentos tiveram que ser devolvidos.
O fato, destacado em todos os grandes jornais do País,
revela o que pode acontecer quando regras e protocolos são quebrados.
Toda essa confusão, e muito mais que ainda pode vir,
começou quando as autoridades permitiram que
dados da caixa-preta do Airbus fossem entregues a parlamentares.
Daí para as mãos dos jornalistas,
e para os julgamentos apressados, foi meio passo.

Bate-boca

A melhor imagem da confusão jurídica
é a fotografia do procurador tentando forçar
a entrada na sala de controle do aeroporto de Congonhas,
contra a oposição dos militares.
Os oficiais da Aeronáutica que trabalham
no Cindacta-1, em Congonhas, negaram-se a lhe entregar
os dados sobre o acidente.
Foram duas horas de tensas negociações,
que envolveram até o comandante da FAB, brigadeiro Juniti Saito,
até que veio a contra-ordem judicial.
Matheus Baraldi Magnani alegou que pretendia investigar
as falhas no sistema de controle aéreo brasileiro para,
depois, entrar com uma ação e exigir investimentos do governo.
Teve seus quinze minutos de celebridade.
Enquanto isso, o coronel Fernando Camargo,
responsável pela investigação das causas da tragédia
com o Airbus da TAM,
acusa a Agência Nacional de Aviação Civil,
a Infraero e as empresas aéreas de demora na entrega de documentos.
O coronel Camargo precisa desses documentos
para cruzamento de informações com os dados
das caixas-pretas do Airbus.
O chefe oficial das investigações afirmou,
segundo a Folha de S.Paulo,
que até os parlamentares da CPI
já receberam alguns documentos que ainda não lhe foram entregues.